Entrevista
Roberto S. Waack
“Precisamos conciliar produção e restauração”
Perguntas de representantes da sociedade
PERGUNTAS DOS EDITORES
Temos de reconhecer que essa percepção de lentidão faz sentido, sim. E precisamos acelerar a implantação das ações de recuperação para reverter essa situação e, consequentemente, essa imagem. Sem tentar justificar, é importante lembrar que estamos diante de uma mudança de fase relevante. Começamos a definir e implementar ações estruturantes, que têm um ritmo de implantação mais lento do que as ações emergenciais. O processo todo passou por outra transição, que foi o próprio estabelecimento da Fundação Renova, em agosto de 2016, como entidade independente e responsável por gerar soluções que proporcionem um impacto positivo duradouro na região atingida pelo rompimento da barragem.
Estamos diante de um desafio para o qual não há soluções de prateleira. Ao contrário, enfrentamos muita ambiguidade, contradições entre múltiplas visões e precisamos construir um entendimento em torno de soluções que estarão na fronteira do conhecimento. Por isso, adotamos a premissa de desenvolver soluções a partir do envolvimento da sociedade. Consumimos mais tempo nesse processo participativo, mas ganharemos eficiência na implementação, que terá o respaldo das partes interessadas. Vamos recuperar esse tempo ali na frente. Portanto, vale a pena fazer esse investimento na construção coletiva para endereçar essa complexidade no desenvolvimento das soluções.
Temos como meta que 37 dos 42 Programas sob responsabilidade da Fundação Renova tenham passado do estágio de ajustes e adaptação do que deve ser feito para o de execução final.
Concretamente, isso significará que uma série de ações já deverão estar sendo experimentadas no campo. Por exemplo, temos de testar modelos para: como recuperar nascentes, como fazer a restauração florestal, e como fomentar os eventos culturais, entre tantas outras. Da mesma forma, todas as estruturas de contenção precisam estar garantidas e consolidadas, a solução para a dragagem de Candonga (reservatório da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, que recebeu 10,5 milhões de metros cúbicos de rejeitos), como definido pelo Ministério Público, deverá estar pronta e em implementação, e esse é um desafio de engenharia. Precisamos ter a garantia de que no próximo período de chuvas não teremos resíduos carreados para o rio e que, portanto, teremos estancado o impacto e não haverá outros. Do ponto de vista interno, nossa meta é ter uma organização capaz de lidar com ações estruturantes de longo prazo com olhar de legado – um time com essa identidade, com esse compromisso de longo prazo, adicional aos de curto prazo, que consiga promover o engajamento e a participação da sociedade em processos que gerem soluções concretas.
Sem dúvida, a definição da governança de todo o processo de recuperação, que é altamente inovadora. Como colocar um desafio dessa dimensão sob a guarda de um sistema de governança que tem embutida uma complexidade imensa, com cerca de 150 pessoas e organizações, compartilhando a tomada de decisão. Havia um descrédito grande sobre o funcionamento desse modelo de governança participativo e ele já está funcionando. Na verdade, não tínhamos no Brasil a experiência de como responder a grandes desastres e esse tem sido um aprendizado altamente valioso.
Primeiramente, por força legal, uma fundação de direito privado tem como obrigatoriedade esse caráter de independência estrutural, respondendo diretamente ao Ministério Público.
Soma-se a isso o sistema de governança, definido no próprio Termo de Transação e de Ajustamento de Conduta (TTAC), que criou o Comitê Interfederativo (CIF), responsável por fazer a interlocução e monitorar as ações da Fundação. O Conselho Consultivo também é um elemento central com a representação da sociedade. O Conselho Curador deve atuar para os melhores interesses da Fundação e suas principais responsabilidades dizem respeito à estratégia, governança, gestão de risco e alocação do orçamento.
Estamos aprendendo a lidar com a complexidade, inclusive no que diz respeito à própria governança. Mas temos barreiras seríssimas do ponto de vista das soluções técnicas em áreas para as quais a ciência ainda não tem resposta. Não há consenso, por exemplo, sobre a restauração florestal com plantio de mudas nativas. Essa é uma barreira técnica que terá de ser superada com uma velocidade muito grande. Precisamos sair dos diálogos com soluções concretas. É importante lembrar que operamos 100% em áreas de terceiros e será nessas áreas que essa restauração vai ocorrer. Portanto, para ter uma solução sustentável, é preciso que faça sentido para o proprietário do ponto de vista econômico, imediato e no longo prazo. O grande desafio do ano será identificar qual a melhor solução para conciliar produção e restauração. Afinal, as terras desses proprietários, a maioria pequenos agricultores, são seu modo de vida. Só com essa combinação, de produção e conservação, essas iniciativas farão sentido para eles.
Não temos o direito de permanecer na discussão pela discussão com especialistas e organizações no campo das causas. Precisamos fazer essa transposição para a aplicação prática. Devemos traduzir toda essa diversidade de opiniões em ações concretas no campo, o que é um grande desafio. Para completar, temos também de entender como conciliar nossas iniciativas com as políticas públicas já existentes.
Temos de passar da visão de recuperação para legado. Quer dizer, não somente reconstruir ou recuperar para o curto prazo, mas fazê-lo pensando que toda ação pode e deve desenhar as bases de um futuro sustentável.
Essa é uma oportunidade de inflexão no modelo de desenvolvimento de toda a região. Tendo como princípio a conciliação de produção com conservação, devemos passar de uma visão individual de cada propriedade para um olhar sobre todo o território, desenvolvendo, assim, uma gestão territorial estratégica de longo prazo e inovadora. Dentro dessa lógica espacial, desenvolver corredores ecológicos, integrar com a revitalização das nascentes e democratizar essa oportunidade para todos os produtores da região, trazendo conceitos mais avançados de uso da terra, logística, escoamento, acesso a mercados, fluxos financeiros, pagamentos por serviços ambientais etc. É possível sonhar com o legado de uma tecnologia social, apoiada por um sistema de governança participativo que reduz a volatilidade do processo e que poderia ser aplicada a muitas outras regiões degradadas do Brasil.
A Fundação Renova se propõe a ser facilitadora desse processo de recuperação que leve a um novo modelo de desenvolvimento da bacia do Rio Doce, que não tem solução fácil, não se baseia em assistencialismo, mas em ações estruturantes. Tem como fundamento a busca pelo equilíbrio ambiental, social e econômico a partir da mobilização da sociedade. Quem vai comprar essa ideia é a população. O único zelador desse modelo é a sociedade. Se conseguirmos fazer isso nesse território impactado, podemos pensar em algo parecido para outras regiões do país.
O biólogo e administrador Roberto S. Waack alia uma longa trajetória de executivo de empresas nacionais e internacionais, empresário e dirigente de organizações sem fins lucrativos da sociedade civil. Como diretor-presidente da Fundação Renova, seu principal foco é fazer com que a gestão e toda a operação estejam sensíveis às diversas visões das partes envolvidas na reparação. E, além disso, lidar com situações complexas, conciliando um olhar ampliado para o legado a ser construído ao longo do tempo e o sentido de urgência para colocar em marcha o quanto antes ações concretas construídas em conjunto com a sociedade.